quinta-feira, 3 de outubro de 2013


             

             Todo escritor é um pedinte. Implora que mesmo na morte haja companhia; seja em uma praça florida esperando a padaria da frente abrir para devorar o pão e o café com leite quente, ou seja nessa cadeira avarandada, vendo o sol erguer enquanto se espera a hora de uma loja de bicicleta abrir. 


       


           Os passos são feitos pelas folhas secas da rua. O vento é forte, antes de ser cinco da manhã o dia já é sol. Por todos os lados - vende-se -  apartamentos pequenos em prédios altos e azulejados de todas as cores, mas é sempre aquele pintado e desbotado de um amarelão febril que nos diz que o tempo não é uma filosofia ou estado de pregas, o tempo é ele mesmo. Em azulejados ou paredes descamadas, o tempo é e por mais que escorra ele nunca foi.
         A saudade é uma mentira que o corpo quer. Uma dor de cabeça que não se sabe para onde vai, mas sempre sabe onde e como voltar. A máquina de costuras e a televisão na varanda da minha vizinha é um corpo senhora segurando um neto. É o beijo apaixonado de uma volta que dará certo, sem dores de cabeça ou saudades.
       É hora de enterrar os gritos premonitórios dos galos que já não existem mais.

Toda palavra é agora. O ver do que eu escrevo e o que já passou. Todo lugar é tempo, inclusive eu, agora, adubo de planta.
                               
                São seis horas. 

sábado, 31 de agosto de 2013

Qualquer Raiz de Comer Lembrança

Quando o menino nasceu outros seis meninos da mesma flor haviam partido.
Magra, Pálida. Ao redor da íris um azul de cego.
Restava a farinha com água o dedo de amamentar.
Comida seca, sofrida.
De engulho e engulho o menino brotou.
Se fez menino, ganhou, aos vinte, nome e sobrenome.
Aos noventa, magra e pálida, murchou em seca a flor.
No último olhar.
O menino encarando o vidro do corpo quente para terra.
A primeira água.                 Me espera, mãezinha.
Eu em seca terra, cavando mãe, derretendo suor de menino, me joguei no rio
e nunca mais voltei. 

sexta-feira, 1 de março de 2013



                              Tudo o que Valéria sempre soube. 

Valéria me acordou às oito da manhã em pleno sábado com gritarias no portão, queria me dizer idiotices pelo ouvido através da grade. Valéria sabe que não dou cabimento a meninas de colégio, mas ela insiste em se fazer gente pra mim, e eu insisto em nem pensar no caso.

Durante a semana eu tenho uma puta correria, é um vai pra aula sem caderno e sem caneta, com um buraco no tênis, isso quando não vou de chuteira. É tal de fingir escutar, fingir ligar, fingir rir, que termino dormindo no canto da sala, principalmente nas aulas de trigonometria. Eita assuntinho circular. Sim, mas me deixe falar de Valéria.

Valéria, como vocês devem ter entendido na frase lá em cima, é uma menina lá da escola, duas series inferiores a minha; tem um perfume leitoso, uma mão barrenta, uns olhos de coruja focados em um rato sonolento. Um saco de menina, e infelizmente mora a dois quarteirões da minha casa.

Valéria, apesar de me encher o saco, tem feições delicadas que acalmam até a estupidez de se ter obrigado a sair da cama quente às 08 da manhã, só para escutar uns ruídos molhados no ouvido, que não eram entendíveis não só pela hora, que me traz sonolência e demência, mas porque Valéria é meio fanha, meio sem força. Não me importo com ela.

Fui bater uma peladinha na terça pela manhã num campinho de outra escola estadual que tem no meu bairro, estudo à tarde e só ouso sair de casa pela manhã quando tem uma peladinha. Não sou amigo de nenhum dos meninos, mas faço minha festa particular. Dou-lhes motivos de riso e riu deles mesmo. Em cinco minutos de jogo estava morto, essa estória de ser meia-atacante não está dando certo, meu folego sempre foi de merda, mas agora quando mais me movo, mais fede minha fraqueza.

Deixei o time de lado, me retirei do campinho e fui queimando meus pés na calçada com a chuteira pendurada pelos cadarços em minhas costas. Não sou de levar caderno, não escrevo e durmo nas aulas, mas de alguma forma eu entendo tudo a minha volta, não tiro nota baixa, sei de todos os assuntos, e sei com perfeição também as tarefas que devo realmente por em papel, e com essa desculpa eu voltei para casa, fingindo que os meninos supuseram isso que pensei e que estava tudo bem.

- Cícero, ô Cícero, vai mais devagar, quero te dar algo.
- Cícerroooooooo, ô Cíceroooooo.

Quando escutei o grito fanho de Valéria o chão pôs meus pés em brasas. Saí correndo em desespero, e só me encontrei dentro de meu corpo, junto com a alma ,quando pude me sentar nas cadeiras de plástico perto da piscina no fundo da casa, livre de qualquer verborragia.

Vocês devem pensar que Valéria me ama e eu sou um cara idiota, babaca. Um bobão. Mas estão errados. Valéria não me ama, e eu não estou na idade de amar. Decidi aos meus sete anos amar apenas aos trinta, só para servir de bom exemplo a tradição da família biológica humana. E ainda falta mais que um tantão para eu chegar lá, sem pressa, sem correria. Só me afogo nesse sufoco de Valéria, mas tanto faz não me importo.

Em plena semana de provas minha mãe me perguntou a quanto andava minhas notas, disse que responderia quando tivesse o resultado, afinal, era inicio de ano. Mãe são tão bobas como cachorros, são bonitos, fofinhos, mas não entendem de nada. 

No final da semana de prova tive duas boas notícias, uma completamente óbvia, minhas notas permaneceram com a qualidade do ano passado, e a outra de que Valéria iria se mudar para outra cidade, uma ou duas horas da capital de onde vivíamos. De repente, ao ouvir a notícia da boca de sua melhor amiga, a Cristina, essas boas notícias. Senti no meu rosto um comichar estranho, meu cabelo imexível se bagunçou. Minha franja caiu de lado meio morta, eu sorri com uma felicidade comprada, premeditada pelas minhas rezas.

Valéria, como eu já disse, tem feições delicadas, daquelas de lhe tirar da cama em pleno sonho bom, de fazer correr em um sentido oposto ao dela sem entender direito o porque. De...

Valéria se deu mal nas provas, e para comemorar o seu adeus do bairro das infâncias ofereci  ajuda-la antes de partir. Eu não poderia deixar de fazer minha festa particular. De sentir o cheiro de nata quente de suas bochechas rosadas, De....

No final de duas semanas e de sua partida eu odiei Valéria com mais força do que os últimos quatorze anos, e passei a contar os dezesseis  que me faltava para me casar com ela.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Para ver em quantos rumos eu posso andar.
(não revisado)
Um conto meu, de mim.

                                            Falando entre espiões.

O que estou fazendo? Às vezes penso em meu próprio pensamento que estou enlouquecendo. Ouvi uma vez na televisão sobre a tal da esquizofrenia, coisa de ficar falando só o tempo todo. Não sei se fala com a pessoa própria mesmo. A gente depois de adulto não pode lembrar um pouco como é ser criança e inventar alguém para acabar com a solidão? . Bom, ‘tô eu aqui, quatro horas da amanhã, no banheiro, puxando um grosso fio de sangue que sai de mim. Quando penso isso já duvido se meu pensamento não pensou que isso poderia ser um aborto, o resto de um feto, mas logo vejo que só pode ser um pensamento de um homem que há dentro de mim, que não conhece nem de nome os períodos, imagina saber a viscosidade do sangue, da cor batida de um vermelho bofete, dessa liga estranha que vem da vida.

Porra!

Que maldição a quina dessa pia, não basta estar com hemorragia, tem que ter crise de espirro e foder o dedinho do pé.

Tenho percebido ultimamente, e é o que quero me contar hoje, que minhas pernas são estúpidas, e que tenho que fazer algo com elas. Não sou manca, nem coxa, nem tenho buracos no meio das pernas, não sou de muitos buracos, lembro-me de dois buracos agora, aquele, o obrigatório em que tive que vir à vida, e o do mijo da gente, mas, então, minhas penas  são realmente estúpidas.
Ganhei um coração de almofada, ou uma almofada de coração, escolho depois qual a sentença me faz mais sentido, que me serve muito bem em carinho, que me faz bastante companhia quando eu tenho tempo de ficar em casa.

Ontem eu encontrei um menino, um charminho, e tenho dito isso para mim desde então. Baixinho, não tão baixo, mais alto um pouco do que eu, de pele perfeita, de lábios finos, rosados, de cabelo liso, preto azulado, de corte curto, poderia jurar que tinha gel. Quem usa gel hoje?   Bom, esse charminho passou por mim em um dia idiota, e como todo charme causa idiotice nos outros, minhas pernas ficaram mais estúpidas que o normal. Mantive os ombros retos, a cabeça segurada por uma linha como em um balão de aniversário, tive-a ereta! Mas as pernas, minhas pernas, que estupidez! As suas formas viraram quadris, embundeceram. Ao menos, esse menino salvou meu dia, quem se importa com as penas curiosas quando se tem gel para pô-la nos cantos?

Lembrei-me de um cartaz que vi hoje, na verdade, um pedaço de papel impresso colado em um poste, e parei para lê-lo. Dizia assim; 

“Venha descobrir os mistérios de sua mente, conte-me tudo sem falar-me absolutamente nada, e se desejares alguém a(o) trago em dez dias, de acordo com a aprovação do pagamento pelo cartão visa ou master”.

Depois que li esse cartaz decidi não pensar mais pelo resto do dia, é cada coisa idiota que a gente lê, mas como está de madrugada me esqueci disso enquanto limpava  - eu - sei - o que -  no banheiro.

 Se você, caro leitor de mente, esperava algo além de meu pensamento, desculpo-me a mim  e me vou à cama, que já é madrugada e o serviço é grande pela manhã.

Adeus!  


Não fumo para não dá forma a sujeira que ganho de graça. O ar puro liberado dos peitos inflados, pela boca oca, é o respirar das pessoas no tráfico. É da boca dessas pessoas que respiro, é essa sujeira de graça que a gente tem que engolir, do desentender o outro quando o outro está dentro de si. É fugir sem ter pra quê, é discordar das novas ideias, é desenhar círculos em traços de fogo que não queimam mais. Fumo a mim mesmo, nessa complacência de ideias, devoro-me para matar o eterno desejo da esfinge, suicido-me sem encontrar meu feto em uma caixa de cigarro.




"Pela fumaça, desgraça, que a gente tem que tossir"




Deus lhe pague.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013



As Claras. 

Nada mais velho que o medo de ontem; disse ela para si um ano e meio depois. Cinco e sete da manhã, dois copos de café, um grito abafado do chuveiro frio, da boca que arranjou motivo pra tremer. Calças, não! Saia e blusa. Espelho contesta. Calça, blusa, sandálias de segunda mão, óculos, perfume. Buzina. Nada mais do que o medo de agora.
Janaína, que cantarolava o incantável Drummond, repetia; “João amava Teresa que amava Raimundo, que amava Maria, que amava Joaquim, que amava Lili que não amava ninguém”. Que não amava ninguém e saiu. De corpo presente ficou até um metro e setenta do chão. O chão atemporal do gostar, e disse para si, pois jamais se lembrou do dia. Daquele dia em que brincava com estrelas sentadas da manhã.

Nada mais novo que a vontade do agora; disse para si um mês e meio depois. Já não acordava na hora. blush, rímel, vontade tinha e não tinha mais. Desesperou-se. Encontrou alguém para gostar e se desgostou, para gostar do círculo da vida. Concentrou toda a felicidade do anoitecer. Saiu na temporalidade da noite.

José, que balbuciava os vernáculos em ponta do nariz, sussurrava em olhos tristes desejos imensos, desejos dela agora sentidos em carne dominada. Nada mais que o medo do pulso da verdade.

Na parede negra uns rabiscos.

Janaína pensava em mãos altas nas areias largas do muro, quase um corpo esculpido em alfabetos, nada mais do que o corpo dele emparedando as formas dela. Naquelas formas. Morava no interior. Ele. No interior de tudo, e carregava nos olhos tristes ondas do mar seco, que por oras enchiam-se d’água e de rugas com os baldes da saudade.

Janaína e José tinham tudo, amavam-se e queriam cada vez mais o outro do que a si. Não se completavam apenas entre as pernas dos óculos e a nuca do colar, entre eles cabiam apenas o sufocamento das paredes do céu. Entre José de peitos largos e Janaína pequena, coube apenas a essência do querer e o oceano do contar da boca dela. A boca que um dia se mordeu de desejo e que gritou na surpresa da insaciabilidade ao tê-la, mas agora bocas juntas olham a nada convenção deste amar, e Janaína grita a todo sonho; José, te espero.